Parada para colorir Balneário
Mas não teve só purpurina não, grupos fizeram protesto contra os vereadores e a prefeitura, que tentou melar a festa
Andrea Artigas
Especial para o DIARINHO
O colorido da diversidade deu o tom ao dia nublado de ontem. Milhares de pessoas celebraram a 4ª Parada da Diversidade de Balneário Camboriú, que este ano trouxe como tema Todo mundo é igual de maneira diferente.
O evento, que começou às 14h, teve mobilização inicial na Barra Sul e depois, com um trio elétrico, percorreu a Atlântica até a Praça Tamandaré, onde drags e djs foram recepcionados com a praça lotada de gente no início da noite. A organização do evento estima que mais de cinco mil pessoas participaram da festa.
A parada só foi às ruas graças a uma liminar da justiça em favor da Associação da Parada da Diversidade de Balneário Camboriú (APDBC). O presidente da entidade, Nei Lorentino, garante que entrou com o pedido de autorização para realizar o evento, em outubro, na prefeitura, mas não obteve resposta até às vésperas da parada. Todos nós temos direito de nos manifestar, não é a administração que manda na cidade, é o cidadão, defendeu.
Nei reclama que a decepção não fica reservada apenas ao silêncio do executivo, mas vai além e classifica a maioria do legislativo da cidade como preconceituosa. Na terça-feira passada, a entidade amargou uma derrota quando a maioria da Câmara de Vereadores vetou o projeto da vereadora Mariza Zanoni (PT), que tornaria a associação de utilidade pública.
A associação irá entrar com uma representação no Ministério Público contra esses vereadores. Vamos processá-los por conduta homofóbica, garantiu o representante dos coloridos. Ele alega que desde 2012, a associação promoveu inúmeras palestras e eventos para discutir assuntos ligados à diversidade e ao preconceito. Fizemos um relatório destas atividades, enviado a Câmara, mas foi desconsiderado, lamenta Nei.
A foto dos vereadores Asinil Medeiros (PR), Marcos Kurtz (PMDB), Elizeu Pereira (PMDB), Arlindo Cruz, Leonardo Piruka (PP) e Pedro Francêz (PR) estampavam as laterais do trio elétrico como protesto. Eles brecaram o projeto. A foto de Roberto Souza Júnior (PMDB) também engordou a galeria porque ele se ausentou da votação que terminou em 5×6.
O vereador Pedro Francêz (PR) explicou que a comissão de Justiça e Redação fez o parecer pela rejeição do projeto com base na orientação da procuradoria jurídica da casa. A decisão foi tomada porque o jurídico recomendou alegando a falta de documentos ao projeto. Nada tem a ver com preconceito ou discriminação. Estamos sempre com o gabinete de portas abertas para atender às associações e comunidade. Um exemplo disso é o estatuto da Juventude que foi aprovado por nós e teve significativa contribuição dos diversos movimentos da juventude, inclusive religioso e LGBT, defendeu-se o vereador.
A vereadora Marisa Zanoni (PT) estava no evento e foi homenageada pelos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Eu me envergonho das pessoas que ocupam cargos políticos e confundem a atividade política com o seu posicionamento pessoal. Apoiar essas discussões não é um favor, é uma obrigação, disse a vereadora.
Sem bandeira de BC
As bandeiras de Santa Catarina e do Brasil tremulavam no trio elétrico que cruzou a Atlântica, mas não havia uma bandeira de Balneário Camboriú. A motivação para isso, segundo Nei, seria o silêncio da prefeitura. No lugar dela, havia uma bandeira preta, de luto, que homenageava o travesti morto no dia 31 de outubro, Cristian Pinto Toledo, 27, que tinha o nome social de Jenifer Toledo.
Curiosos se aglomeravam na avenida, que era embalado por modinhas funk e sertanejas. Eu acho necessário esse movimento pra que a população aceite a escolha deles. Tem que aceitar e respeitar, disse o instrutor de informática, Rafael Rosenstock, 31. A aposentada Tânia Isidoro, 56, de Criciúma estava encantada com a festa. Eu respeito e acho que cada pessoa tem que se assumir como é, disse a senhora.
Amor de mãe contra o preconceito
A empresária de Florianópolis, Andréa Carvalho, 55, conheceu a paixão da sua vida aos 15 e aos 19 anos casou-se. Aos 31 anos, descobriu que seu marido havia se apaixonado pelo marido da sua melhor amiga.Flagrou os dois trocando carícias por baixo da mesa em um jantar de amigos. A descoberta forçou sua separação. Eu não sabia o que era isso, eu não tinha conhecimento sobre a homossexualidade, meu mundo caiu, desmoronou. Ele era o homem da minha vida, relembra.
Mãe de três filhos, viu a história se repetir com o filho caçula, que aos 13 anos revelou a mãe que também era homossexual. Perdi o chão, o teto caiu sobre minha cabeça, contou. Foi então que Andréa começou a ler sobre o assunto e a buscar informações.
Numa busca pelo Google em 2012, ela se aproximou da Grupo de Pais de Homossexuais. Comecei a entender tanta coisa. O amor de mãe depois que ultrapassa a barreira do preconceito é reinventado. Há a morte do seu filho. Morre o filho que você idealizou pra dar lugar a um novo filho: o filho que você decidiu amar, do jeito que ele é, conta a mulher.
Hoje ela é fundadora do Grupo de Apoio da Diversidade (GAD) de Santa Catarina e ajuda outras mães a entenderem a opção sexual dos seus filhos, sem tabus ou preconceito. Eu entendi que tinha a missão de trabalhar essa questão e ajudar outras pessoas a aceitar e respeitar, concluiu.
A administradora de de empresas, Denise Leoni, 50, de Itajaí, estava no evento junto ao filho Pedro Inácio, 22. Em comum com Andréa, Denise também passou pelos mesmos medos do preconceito e do desrespeito quando Pedro revelou que gostava mais de meninos. Quando eles se descobrem sofrem muito e as mães são as primeiras que tem que apoiar, defendeu Denise.
O sorriso dela denunciava que o amor por Pedro venceu todas as barreiras dessa descoberta. No entanto, Pedro relembra que não foi nada fácil chegar a essa harmonia. Eu não me aceitava, sabia que desde criança era diferente. Incialmente foi difícil para minha família também, mas o Grupo de Apoio a Diversidade nos ajudou. Não é possível que em pleno século 21 as pessoas tenham preconceito contra uma forma de amor, desabafou Pedro.
Uma cidade colorida
Apesar dos entraves pra liberação do evento, a auxiliar de administração Lecca Maidana, 23 anos, garante que Balneário Camboriú é uma cidade de braços abertos aos LGBT. Vinda de Santa Maria/RS, ela conta que a balada noturna é agitada pra quem curtes as festas gays e que opção não falta pra quem quiser se divertir. Meus amigos vem de Joinville pra cá porque aqui tem mais opções para nós. Eu não vejo preconceito e acredito que no Sul aqui seja a melhor cidade para a gente viver, defende a menina que estava curtindo a festa.
Purpurina e glamour
Com uma maquiagem perfeita, cílios alongados, um vestido dourado vindo de Madri e um salto número 15, a drag Sheyle Ashley, 18, chamava atenção na festa. Cuidadosamente produzida, ela conta que começou a se preparar não eram nem meio-dia. A drag vinda de Itapema era uma das performances do evento. Nervosa antes de subir no trio, ela revelou que o preconceito com seu trabalho começa entre os homossexuais. Alguns não gostam do jeito que a gente se arruma, mas é necessário pra fazer a performance, conta. Na sua lista de metas para 2017 está convencer a sua mãe a ver um dos seus espetáculos. Com exceção do pai, a maioria da família sabe sua opção. Hoje ela quase veio, mas chego visita, acredito que na próxima consigo realizar esse sonho, revela.
Amor em família
Dia 27 de novembro o militar Gilcinei Alves, 23, e o seu companheiro Diego Solano Lopes Alves, 28, ambos moradores de Itajaí, comemoram um ano de casados. Mas a festa foi antecipada na parada gay. Estamos comemorando um ano de casamento de papel passado. Temos muito motivos para isso porque vencemos o preconceito das pessoas e somos felizes, disse Gilcinei. Os dois têm uma menina de seis anos, filha do militar. Sobre o dia a dia da família, eles resumem em uma frase. O ambiente é a gente que faz. Nós respeitamos a idade dela e em casa temos regrinhas, mas tudo com muito amor. Amor é a palavra que resolve tudo na nossa família.
