O ansioso e o sonado (1 de 3)
Nas nossas cidades apinhadas de gente – se acotovelando a propósito de qualquer coisa, se atropelando, se atormentando – a cordialidade é, ou deveria ser, um imperativo da sociabilidade, no sentido de cada um atentar para não ser o estorvo de seu semelhante.
Mas o ser humano é, antes de tudo, um chato – e gosta disso. Já dizia Brecht que, para viver nos tempos modernos, a gente precisa de uma coragem de cavaleiro andante – para atravessar uma rua, por exemplo – e da paciência de um santo – para encarar lidas burocráticas por exemplo. E mais ainda, para tratar com nossos semelhantes, tentando tornar esse convívio mais suportável.
Recentemente, me mostraram um desses filminhos que abundam na internet – onde humanos fazem uma balbúrdia inacreditável, e uma imundície espantosa, num lugar onde se distribuía alguma coisa de graça. A segunda parte mostrava um grupo de macacos, talvez numa reserva – onde se fazia distribuição de laranjas. Cada um chegava educadamente junto da caixa, pegava uma em cada mão e se afastava para comê-las. Chão limpíssimo, sem uma sementinha que fosse jogada fora. Bem, não é de hoje que afirmo que Darwin estava certo, só errou na direção: o tal do homo sapiens é um macaco involuído.
Seria necessário todo um tratado de civilidade – que alguns autores já fizeram, e o melhor, mais lúcido e erudito, acho que foi Norbert Elias – para demonstrar que o trato entre as pessoas não é frescura, mas um fator construtor da civilização. Quer dizer, pequenos gestos, ações, atitudes que podem parecer pouco importantes – mas são os que fazem a diferença que deveria caracterizar seres que se pretendem civilizados.
E são essas as coisas transcuradas, descuidadas, quando não conscientemente ignoradas – um dos fatores mais importantes para irem tornando nossa vida urbana desagradável, agressiva, chata. Beirando pelo insuportável com freqüência cada vez maior.
Nas duas próximas crônicas, tentarei o retrato de dois extremos na escala de chatice urbana. Claro que, usando de seres conhecidos, construí dois modelos genéricos – mas que, provavelmente, têm existência real e nesse preciso momento, enquanto lemos estas considerações, atormentam pessoas de seus círculos de relações… ou não, é claro, são o que descrevo em apenas determinadas circunstâncias da vida. Extremos caricaturais, mas que qualquer pessoa poderá identificar como acima da média humana de tolerância…
Key Imaguire Junior
